Críticas de Cássio Azeredo

É com muita generosidade que compartilho o meu olhar sobre três trabalhos que aconteceram no Montenegro em Cena. Inicialmente está função não seria minha, mas me diverti bastante fazendo. Reitero que lanço um ponto de vista sobre as criações, a partir de uma apreciação enquanto espectador, longe de querer criar uma fórmula, ou impor qualquer verdade. O ponto de vista é a vista de um ponto entre inúmeros. Espero que sejam úteis!

No ar

Grupo: Cia Fasta
A peça da Cia Fasta, nos aproxima (desculpem o trocadilho!) dos grandes locutores, divas, comerciais, e do universo das radionovelas. A trama enfoca o esforço de três locutores para salvar a Rádio Esperança que está indo a falência com o advento da televisão. O trabalho é criado de forma coletiva pelo grupo sem a figura de um diretor. E este é o primeiro fator que destaco: se esta forma de trabalho é um dos elementos que influencia diretamente na construção do grupo e impõe uma marca enquanto ferramenta de criação, o olho de fora é justamente o que falta para dar unidade à peça e aos elementos da encenação.

         A trilha sonora executada ao vivo por dois músicos que se revezam entre o trumpete e o violão apontam um bom caminho. Eles criam arranjos interessantes, apesar de ainda tímidos. O desafio agora é criar uma função dramatúrgica pra eles, fazer com eles se integrem enquanto elemento funcional dentro da narrativa.
         Penso que a representação dos atores também pode transcender um pouco o realismo da situação para tornar a cena mais teatral. E isso passa por uma tonicidade no corpo dos atores que ainda é tímida e não sustenta a ação na plenitude que poderia. Talvez isso contribuísse para um contraste mais evidenciado entre os momentos em que os personagens estão fora do ar e o lirismo das canções e da programação da radio.
Para finalizar destaco a atuação de Luiz Manoel Oliveira Alves que representa o personagem Evoé com belos momentos de sutileza e um tom nonsense muito interessante. E ainda a dramaturgia que termina aberta me permitindo imaginar o que aconteceu com a Rádio Esperança. É um belo trabalho que se criar raízes, tem tudo para explodir.

Sonhos (Im) Possíveis

Grupo: Teatro dos Sonhos
O grupo cria um belo trabalho que nos desperta os sentidos e inicialmente nos arrebata pela quantidade de signos visuais. Há um cuidado com a estética, com a visualidade, a luz, a trilha (!), o figurino e o cenário que é composto por três grandes panos que descem de cima até o chão. Todos estes elementos criam um clima onírico que dialoga com a proposta de pensar sobre os sonhos.
O coletivo parte de ações investigativas na cidade de Porto Alegre em que abordam pessoas para saber quais são os seus sonhos e a partir deste retorno se estabelece o ponto inicial para a criação de dramaturgia de Sonhos (Im) Possíveis. O texto final que se estabelece ainda não atingiu sua plenitude de comunicação, e devido ao excesso de formalidade e linearidade, não chega pra mim de forma viva. Gosto da pesquisa enquanto forma, e me instiga a pensar na possibilidade de representar os sonhos que habitam uma casa que está indo para o abismo, mas me faltam elementos cruciais como saber quem são estas pessoas e qual o tipo de relação se estabelece entre elas.
Outro ponto que destaco no trabalho é a formalidade que fica evidenciada no trabalho dos atores. Apesar de me chamar a atenção à limpeza dos movimentos (e em alguns momentos eles atingem o nível da ação), essa formalidade toda também não chega a criar uma segunda natureza que poderia me colocar em outra perspectiva de contato com a obra. Ainda há uma referencia realista, principalmente na fala dos atores, que me parece precisar de uma relação entre os personagens que algum momento contemple uma perspectiva mais humana, portanto também suja e menos formal.
Questiono-me o quanto esta formalidade que beira a pré-expressividade importa, interessa ou significa no acabamento final da cena. Me parece que há uma junção das imagens com o texto de uma maneira ainda brusca, e  com uma visível  arbitrariedade da literatura em relação ao acontecimento teatral. Talvez se as partituras expandissem a forma e servissem mais como matrizes, a ação dramática aconteceria com maior potencia.

Existem belos momentos dentro do trabalho, como a cena em que os personagens fazem tricô e o que sentam para tomar café. Especificamente o momento do café me aproxima do humano e naquele instante a formalidade serve apenas para sustentar a ação e aí se torna interessante. A cena do tricô contém um desenho cênico que revela uma sutileza e uma poesia muito interessante, porém, na minha visão, perde sua potencia justamente por não contrastar com todo o resto.
Porém há uma tensão nos textos e na forma como eles são ditos, há uma tonicidade no corpo dos atores, uma disponibilidade deles que é muito bacana. Acho legal o risco, a proposta, a tentativa de encontrar algo novo.  É um grande experimento, ousado, e que portanto, se recusa a ficar no senso comum. Acredito nesse caminho, nessa proposta e nesse grupo.

Grease: Sejam bem vindos ao mundo de Rydell

Grupo: Só Deus sabe
Grease: sejam bem vindos ao mundo de Rydell é um poço de criatividade e um divertido acontecimento teatral, sustentado principalmente pela inventividade do seu diretor, Rodrigo Azevedo. A peça arrepia deste o início, pois extravasa o palco com propriedade, convidando o público que está na rua, a entrar no teatro e no mundo a que se propõe. A vontade e a força deste grupo jovem toma conta da cena e cria uma atmosfera de representação que sustenta a falta da técnica. Tomo emprestado o termo utilizado por Francisco dos Santos Gick quando se referindo a peça a descreveu como uma “folia juvenil”. E é isso: uma festa em cena. Mas é também teatro, e bom teatro.
Grease é inspirada no clássico do cinema estrelado por John Travolta e Olívia Newton-John e conta a história da personagem Sandy que se apaixona por Danny nas férias, mas depois é esnobada por ele na escola em que estudam. Os recursos que o grupo usa para contar esta história apontam para uma teatralidade aflorada, que contribuem para uma poética festiva que já é marca dos trabalhos do grupo Só Deus Sabe.
Todavia os elementos da carpintaria teatral que sustentam a obra podem ser melhor explorados, como por exemplo a convenção dos biombos que giram e auxiliam na delimitação do espaço. Eles podem ser explorados não só pela funcionalidade própria, mas também para que contribuam enquanto signo (marcado coreografado). A afinação da luz não é funcional, principalmente pela falta de utilização de contra luz o que contribui para uma imagem chapada dos atores que não privilegia a tridimensionalidade. A trilha sonora cumpre a função, mas eu queria vê-los em algum momento cantando mesmo e não apenas dublando as canções do filme.
Ainda falta propriedade dos atores para representar personagens mais velhos – o que é sempre um problema quando se trabalha com adolescentes – e também em alguns momentos em que é necessário sustentar a ação mesmo quando não se está no foco dela. O Jogo com a bola de futebol americano não é crível como todo o resto, pois os meninos visivelmente não tem o domínio deste jogo. Ainda sugiro repensar o enxugamento das ações, pois dentro da narrativa tem alguns momentos que não contribuem para a compreensão da história.

Tive o privilégio de assistir quatro montagens deste grupo e me agrada está poética festiva que o grupo encontra. Porém as criações ainda não transcendem a potencialidade que elas mesmas geram. Penso que com cinco anos de trabalho, o grupo pode encontrar a motivação da continuidade e nos brindar com montagens um pouco mais maturadas. 

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